Como disse na matéria anterior, onde fiz um apanhadão da nossa viagem a Bordeaux, a cidade nos surpreendeu positivamente. Saímos de casa sem saber o que esperar, apenas com alguns passeios e tours reservados e dispostos a curtir mais esse pedaço da França, até então desconhecido por nós. A única ideia que tínhamos é que, por causa da relação íntima da cidade com o vinho, encontraríamos um destino turístico mais formal e austero. Já adianto aqui que, felizmente, não poderíamos estar mais enganados.
De dentro do rio Bordeaux e o Garonne são praticamente uma coisa só |
A arquitetura arrojada do La Cité du Vin vista a partir do rio Garonne |
Passagem embaixo do Grosse Cloche, o sino de 7 toneladas do séc. XVIII |
Aproveitamos o bom tempo que fazia na ocasião da nossa visita e começamos uma introdução a Bordeaux embarcando no Le Maddalena para um cruzeiro de 1 hora e meia de duração pelo rio Garonne. Logo no início do tour somos recebidos com um Canelé, doce típico de Bordeaux – assunto para outro texto – e uma taça de vinho local. Melhor boas-vindas não há, devo confessar.
Todos a bordo
Acomodados no deck superior do barco, começamos a navegação pelas águas do Garonne, rio que tem um papel vital no dia-a-dia e no desenvolvimento da cidade. Mais pra frente, descobrimos que a palavra Bordeaux significa à beira d’água, bord d’eau, em francês. E a cidade outrora portuária, hoje se mostra muito mais, mas sem perder suas raízes. Durante o passeio somos apresentados à parte dessa história e sua evolução, além de algumas curiosidades, sendo uma delas a ponte elevatória mais alta da Europa.
A ponte elevatória mais alta da Europa |
A Jacques Chaban-Delmas, uma maravilha arquitetônica, liga as margens esquerda e direita do Garonne e pode ser elevada por 77 metros de altura, abrindo passagem para navios maiores, sobretudo os de cruzeiro que chegam à cidade. No decorrer do passeio percebemos que a arquitetura de Bordeaux é em grande parte moldada pela presença do rio, com edifícios históricos e monumentos, classificados como Patrimônio Mundial da UNESCO, que se erguem ao longo de suas margens. Ao fim dessa apresentação, estamos convencidos de que o Garonne é parte indissociável de Bordeaux, influenciando não só na sua história e economia, mas na cultura e no estilo de vida.
Alguns dos melhores vinhos do mundo são feitos aqui
E as águas de tom café com leite - pas marron - desse rio, também nos levam ao segundo passeio. É que o Garonne é crucial para a vinicultura da região, sem ele Bordeaux não teria o seu maior cartão de visita para o mundo: seu vinho. As suas margens oferecem condições favoráveis para o cultivo de uvas, e muitas vinícolas estão localizadas próximas ao rio. Além disso, o transporte fluvial permitiu o escoamento eficiente dos vinhos produzidos por lá, ajudando a consolidar a reputação de Bordeaux como um centro de excelência do produto. E nós subimos em um ônibus de turismo a fim de conhecer um pouco mais dessa história e dos seus vinhos.
A pequena Saint-Émilion e seu charme medieval |
Para isso precisamos ir até a charmosa Saint-Émilion, uma vila medieval a 50 minutos de Bordeaux, conhecida como uma das principais áreas produtoras de vinho da França. Nessa cidadezinha charmosa descobrimos que ali são produzidos os ditos “autênticos Macarons, não aqueles doces coloridos que se come em Paris” palavras, do guia que nos acompanhou nesse passeio, o Nicolas. Informação essa que não ousei contestar, apenas me dignifiquei a provar. E esses macarons mais rústicos são realmente muito gostosos e diferentes. Ainda em Saint-Émilion, visitamos a Igreja Monolítica, esculpida em um único bloco de pedra. Parada interessante, mas para quem já visitou o Egito ou a Jordânia, pode não ser tão surpreendente.
Os barris de carvalho do Château La Croizille |
Pelos vinhedos de Saint-Émilion |
O passeio se estende agora para a parte mais rural dos arredores de Saint-Émilion, a região é especialmente afamada por seus vinhos tintos encorpados, feitos principalmente a partir das uvas Merlot e Cabernet Franc. As vinícolas locais oferecem passeios e degustações, proporcionando aos visitantes a oportunidade de explorar os vinhedos e provar seus vinhos. Nós conhecemos as instalações da Château La Croizille, uma vinícola familiar, não muito grande, com uma produção de cerca de 25.000 garrafas no ano. Vimos um pouco dos bastidores do fabrico, aprendemos sobre o passo-a-passo, desde a colheita e seleção manual, até o processo de envelhecimento em barris de carvalho. Depois dessa aula express de introdução ao mundo dos vinhos, a melhor hora: degustação. E na La Croizille nós somos convidados a ir ao último piso do château para provar os vinhos com uma vista privilegiada do vinhedo. Uma experiência memorável.
Na volta a Bordeaux, cruzamos o Garonne pela ponte Jacques Chaban-Delmas e foi uma grata surpresa poder observar essa estrutura de um outro ângulo. Aqui eu já tinha a sensação de ter feito os passeios na ordem correta, mas ainda restavam alguns segredos por descobrir.
Conhecer o centro histórico caminhando: That’s “so Bordeaux!”
Na manhã seguinte, no horário marcado, nos reunimos com outros turistas e um guia cheio de estilo, o Bruno, para conhecer mais de Bordeaux. Esse Walking Tour pelo centro histórico durou “apenas” duas horas e meia, mas poderia levar o dia todo, tamanha a excelência do guia. Eles nos apresentou a história da “Cidade do Vinho”, como também é carinhosamente conhecida Bordeaux, de forma leve e descontraída. Nascido e criado na cidade, um autêntico Bordelais, penso que não havia ninguém melhor para compartilhar conosco esse momento. Como era de se esperar, o tour passa por cartões-postais como a Place de la Bourse – onde fica o famoso Miroir d'eau, espelho d’água –, a Ópera National de Bordeaux, a Cathédrale Saint-André, o Hôtel de Ville, a Rue Sainte-Catherine, a principal rua comercial da cidade, para dizer alguns.
A Fonte das Três Graças na Place de la Bourse de Bordeaux |
Bruno, "so Bordeaux", nos apresentando O Grand Théatre da sua cidade |
Entre Street Arts, vinis e livros
Além desses pontos turísticos convencionais, Bruno nos brinda com dicas que podem fugir do habitual em um roteiro turístico, mas que fizeram total sentido para nós, como é o caso do Cinéma Utopia, instalado nas dependências do que um dia foi uma igreja. Na hora foi impossível não lembrar do conterrâneo Kléber Mendonça Filho e seu excelente Retratos Fantasmas. A segunda recomendação certeira do nosso guia foi conhecer a maior e mais antiga livraria independente da França. Não pensamos duas vezes e, ao terminar o tour, corremos para encaixar uma visita à Librairie Mollat, um verdadeiro paraíso para os amantes dos da leitura. São muitos metros quadrados, todos em um só piso, onde se encontram mais de 265.000 livros. Infelizmente não tivemos tanto tempo para explorar tudo, mas não saímos de mãos abanando de lá.
Nem cabe na foto, mas todo o térreo desse quarteirão é a livraria Mollat |
Não poderia deixar que trazer esse vinil de Simonal, feito para o mercado francês, pra casa |
Durante o passeio Bruno fez questão de contar ao grupo que, há 25 anos, Bordeaux era uma cidade suja e degradada e que nesse meio tempo ela foi praticamente toda reformada, limpa e reestruturada e se tornou o que estávamos conhecendo naquele dia. E confesso que nós havíamos notado que os prédios da cidade eram muito claros, nos lembrou um pouco Amã, capital da Jordânia. E não é que estávamos certos na comparação? Tanto na Jordânia, quanto na cidade francesa, os edifícios foram pintados com cal, o que transforma cada parede em uma possível tela. E as duas cidades compartilham arte de rua da melhor qualidade. São murais lindos, bem feitos e coloridos que dão ainda mais personalidade e um encanto a Bordeaux.
Os contrastes de Bordeaux, uma fachada limpa e outra sem a limpeza |
O mural feito pela artista Rouge Hartley em frente à Librairie-disque MICITA |
E foi bem em frente ao trabalho de Rouge Hartley, Avis de Passages, que encontramos a Librairie-disque MICITA, uma loja de discos, meio sebo, que mais parecia um baú do tesouro a ser descoberto. E já que era o Record Store Day, fizemos umas comprinhas também. A essa altura do campeonato eu já estava certa de que pouco mais de 2 dias completos em Bordeaux não seriam suficientes, quem dirá fazer um bate-volta a partir de Paris, como já vi recomendações?
Santé, Bordeaux
Fechamos nosso último dia na cidade dentro de um cartão-postal. Explico. Bordeaux tem inúmeros museus interessantes, mas fica difícil ir à capital mundial do vinho e não visitar um lugar totalmente dedicado à bebida, não é? Então voltamos às margens do Garonne – sempre ele –, e chegamos ao La Cité du Vin, um espaço cultural que celebra o universo do vinho. Inaugurado em junho de 2016, este museu é uma verdadeira ode à história, cultura e tradições vinícolas. O prédio por si só é uma obra arquitetônica impressionante. Já no passeio de barco, de onde avistamos a edificação pela primeira vez, soubemos que ela foi projetada com base na forma de um turbilhão criado pelo vinho quando girado em uma taça. Há quem diga que parece um decanter… vai da imaginação de cada um.
O que você vê nesse prédio? Um decanter? O vinho girando? |
Dentro, os visitantes têm a oportunidade de explorar uma variedade de exposições interativas, aprender sobre a história do vinho, suas técnicas de produção, os diferentes tipos de uvas e regiões vinícolas ao redor do mundo. É um lugar onde todos os sentidos dos turistas são aguçados, há áreas dedicadas aos aromas, às cores, é possível, inclusive, “pisar” nas uvas – virtualmente, claro. Mas ainda assim, tudo é muito lúdico e divertido.
Degustação de inverno, vinho doce harmonizado com chocolate amargo com yuzu e gengibre |
A gente na exposição permanente do La Cité du Vin |
Fechando a visita a Bordeaux onde tudo começou: no Garonne |
Nós ainda tivemos a sorte de pegar o começo de uma nova instalação, a Via Sensoria, que consiste em um percurso imersivo, onde o visitante é convidado a relaxar e mergulhar no mundo do vinho. Divida entre as 4 estações do ano, começando pela primavera, e acabando no inverno, nós provamos uma bebida dedicada à cada etapa, desenvolvidas especialmente para harmonizar com cada ocasião. Durante todo o tempo somos incentivados a esquecer de tudo e apenas nos entregar às sensações do caminho. Depois de uma hora, relaxados e leves, saímos de lá com gostinho de quero mais. Ainda bem que todo visitante que vai ao La Cité du Vin tem direito a uma tacinha de vinho a ser degustada no terraço panorâmico. Munidos das nossas bebidas, fomos brindar a sorte de poder ter conhecido essa cidade charmosa, elegante e nem um pouco pretensiosa, com o majestoso Garonne como testemunha.
Enchantée, Bordeaux! Merci, Garonne!
SERVIÇO
🚢 Cruzeiro pelo rio Garonne - 19 euros por pessoa, 1 hora e meia de duração
🍇 Tour para Saint-Émilion + Degustação de vinho em vinícola - 55 euros por pessoa, entre 5 e 6 horas de duração
🗺 Walking Tour pelo centro histórico de Bordeaux - 14,50 euros por pessoa, cerca de 2 horas de duração
🍷 La Cité du Vin - 22 euros por pessoa + Via Sensoria (até 3 de novembro) 22 euros por pessoa, comprando os dois combinados, sai por 37,40 euros por pessoa.
🎥 Cinéma e Café Utopia - 5 Place Camille Jullian / Tram A Sainte Catherine
📚 Librairie Mollat - 15 Rue Vital Carles / Tram B Gambetta
🛍 Librairie-disque MICITA - 7 Place de la Frm Richemont / Tram A Sainte Catherine
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Fantástico esse roteiro. Da vontade de ir hoje mesmo, parabens!
ResponderExcluirNossa, muito obrigada! Foi uma delícia essa viagem e voltamos para casa positivamente surpreendidos com Bordeaux. Espero que você vá e goste tanto quanto nós gostamos!
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